Ekatierina Ivânovnna

Esse blog é um pouco do que eu sou, o meu pensar. É também uma homenagem à arte da pintura, da música e da literatura. Como Ekatierina Ivânovnna, assino o nome dessa personagem de Dostoiévski,autor do fabuloso "Crime e Castigo",uma mulher de família relativamente próspera, mas que caiu na pobreza. Não assemelho-me a ela em suas condições sociais e morais, mas mesmo assim, entrego-me ao autor, nos braços da palavra profundamente humana e subjetivamente filosófica de Dostoiéviski...

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Uma mulher

Sunday, February 04, 2007


QUASE

Ainda pior que a convicção do não e a incerteza do talvez é a desilusão de um quase... É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono. Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados. Sobra covardia e falta coragem até pra ser feliz. A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são. Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza. O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance; para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer. Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma. Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance. Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.


Luiz Fernando Veríssimo

Tuesday, January 30, 2007



A certeza de que existo, de que eu sei isto e de que estou feliz por isto acontece independentemente de qualquer fantasia ou contradição imaginária.
Com relação a estas verdades, não temo qualquer argumento apresentado pelos acadêmicos. Se eles dizem “e se você estiver errado?”, respondo “ainda que eu esteja errado, ainda assim existo”. O ser que não existe não pode se enganar. Por isto se me engano, existo. Logo, se o fato de estar enganado prova que eu existo, como poso estar errado quando penso que existo, se meu erro confirma minha existência. Por isto, devo existir para que eu posa estar errado, logo, mesmo que eu esteja errado, não se pode negar que não o estou na minha certeza de que eu existo. Portanto não estou errado ao saber que sei. Pois da mesma maneira que sei que existo, também sei que sei. E quando me alegro com esses dois fatos, poso acrescentar com igual certeza essa alegria às coisas que eu sei. Pois não estou errado nessa alegria, porque não estou enganado quanto às coisas que eu amo. Ainda que essas coisas sejam ilusórias, ainda seria um fato eu amar as ilusões.

Santo Agostinho - A cidade de Deus, Livro XI, cap. 26.


Amar e ser amado

Amar e ser amado!
Com que anelo
Com quanto ardor este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente

Por essas doces noites de desvelo!
Ser amado por ti, o teu alento
A bafejar-me a abrasadora frente!
Em teus olhos mirar meu pensamento,
Sentir em mim tu’alma, ter só vida
P’ra tão puro e celeste sentimento:
Ver nossas vidas quais dois mansos rios,
Juntos, juntos perderem-se no oceano —,
Beijar teus dedos em delírio insano
Nossas almas unidas, nosso alento,
Confundido também, amante — amado —
Como um anjo feliz... que pensamento!?

(Castro Alves)

Monday, January 29, 2007








Arte Erótica... Erotismo é sinônimo de sensualidade ?


Por causa de Jandira
O mundo começava nos seios de Jandira.Depois surgiram outras peças da criação:Surgiram os cabelos para cobrir o corpo,(Às vezes o braço esquerdo desaparecia no caos.)E surgiram os olhos para vigiar o resto do corpo.E surgiram sereias da garganta de Jandira:O ar inteirinho ficou rodeado de sonsMais palpáveis do que pássaros.E as antenas das mãos de JandiraCaptavam objetos animados, inanimados.Dominavam a rosa, o peixe, a máquina.E os mortos acordavam nos caminhos visíveis do arQuando Jandira penteava a cabeleira...Depois o mundo desvendou-se completamente,Foi-se levantando, armado de anúncios luminosos.E Jandira apareceu inteiriça,Da cabeça aos pés,Todas as partes do mecanismo tinham importância.E a moça apareceu com o cortejo do seu pai,De sua mãe, de seus irmãos.Eles é que obedeciam aos sinais de JandiraCrescendo na vida em graça, beleza, violência. Os namorados passavam, cheiravam os seios de JandiraE eram precipitados nas delícias do inferno.Eles jogavam por causa de Jandira,Deixavam noivas, esposas, mães, irmãsPor causa de Jandira.E Jandira não tinha pedido coisa alguma.E vieram retratos no jornalE apareceram cadáveres boiando por causa de Jandira.Certos namorados viviam e morriamPor causa de um detalhe de Jandira.Um deles suicidou-se por causa da boca de JandiraOutro, por causa de uma pinta na face esquerda de Jandira.E seus cabelos cresciam furiosamente com a força das máquinas;Não caía nem um fio,Nem ela os aparava.E sua boca era um disco vermelhoTal qual um sol mirim.Em roda do cheiro de JandiraA família andava tonta.As visitas tropeçavam nas conversaçõesPor causa de Jandira.E um padre na missaEsqueceu de fazer o sinal-da-cruz por causa de Jandira.E Jandira se casouE seu corpo inaugurou uma vida nova.Apareceram ritmos que estavam de reserva.Combinações de movimento entre as ancas e os seios.À sombra do seu corpo nasceram quatro meninas que repetem As formas e os sestros de Jandira desde o princípio do tempo.E o marido de JandiraMorreu na epidemia de gripe espanhola.E Jandira cobriu a sepultura com os cabelos dela.Desde o terceiro dia o maridoFez um grande esforço para ressuscitar:Não se conforma, no quarto escuro onde está,Que Jandira viva sozinha,Que os seios, a cabeleira dela transtornem a cidadeE que ele fique ali à toa.E as filhas de JandiraInda parecem mais velhas do que ela.E Jandira não morre, Espera que os clarins do juízo finalVenham chamar seu corpo, Mas eles não vêm.E mesmo que venham, o corpo de JandiraRessuscitará inda mais belo, mais ágil e transparente. (Murilo Mendes)

Tuesday, October 31, 2006


Conhecem-se os verdadeiros amigos, quando em um soçobro, lá estão eles, como tábua de salvação. Quando se mergulha no abismo do sofrimento, o ombro amigo, os braços fortes são portais onde se pode abrigar. No amor, a máxima latina "res non verba"se torna preciosa. Com o tempo, as palavras desgastam-se. "Eu te amo" deveria ser um ato de rendição incondicional, uma inexorável posição. Mas a banalização das palavras perderam a sua densidade, seu valor expressivo. Como saber o significado real da palavra, no dizer por dizer ? Queria eu, viver a vida da personagem do romance, mas queria mesmo entrar no livro que jaz em minhas mãos e jamais retornar...

Saturday, October 28, 2006


A invisibilidade é condição para a elegância.

“Parece-me que a invisibilidade é condição para a elegância. A elegância acaba se for notada. Sendo a poesia a elegância por excelência, não sabe ser visível.Então, para que serve ?, dir-me-eis.Para nada. Quem a vê ?Ninguém.O que a não impede de ser um atentado ao pudor, e apesar do seu exibicionismo se exercer entre os cegos, contenta-se em exprimir uma moral particular.Depois, essa moral particular solta-se em forma de obra.Exige que a deixem viver a sua vida.Faz-se pretexto para imensos mal-entendidos que se chamam glória.A glória é um absurdo por resultar de um ajuntamento. A multidão cerca um acidente, conta-o a si mesma, inventa-o, perturba-o, até se transformar noutro. O belo resulta sempre de um acidente. De uma quebra brutal entre hábitos adquiridos e hábitos a adquirir.Derrota, nauseia. Chega a causar horror.Quando o novo hábito for adquirido, o acidente deixará a ser acidente.Far-se-á clássico e perderá a virtude de choque. Por isso uma obra nunca é compreendida. É admitida. Se não me engano, a afirmação pertence à Eugène Delacroix: “ Nunca se é compreendido. É-se admitido. Matisse repete com freqüência essa frase. “

Jean Cocteau in “Visão Invisível”.

Friday, September 08, 2006


Nem só glamour, no mundo da pintura...
Artemisia foi violentada ainda muito jovem por Agostino Tassi, seu instrutor, que negou e conseguiu testemunhos que denegriram a sua imagem, apresentando-a como amante de muitos homens.


Artemisia Gentileschi , pintora barroca que se destacou em um mundo exclusivamente masculino, tornando-se o primeiro grande nome da pintura no feminino. Nasceu em Roma em 1593, filha de Orazio Gentileschi, pintor talentoso, da mesma escola de Caravaggio. Depois de receber os primeiros ensinamentos do seu pai, Artemisia passa ter aulas com Agostino Tassi que, aproveitando-se da juventude e ingenuidade de sua aluna, acabou por violentá-la.Esta violação deu origem a um longo processo judicial, a que Artemisia se viu exposta e humilhada.

Embora condenado, não chegou a cumprir a pena, graças às influências que Tassi soube mexer. A obra de Artemisia vai refletir seu ressentimento, e em "Judite decapitando Holofernes" obra realizada logo após a condenação de Tassi, e tema recorrente na pintura, a degolação de Holofernes pode simbolizar a castração que ela certamente queria ao seu abusador.

A pintora trabalhou arduamente para sustentar a família, visto que o seu marido, afeto ao jogo, apenas contribuía para que as dívidas se acumulassem. Durante muito tempo a obra de Artemisia foi injustamente esquecida e por vezes atribuída a seu pai. Hoje o seu reconhecimento é universal e constata-se que a sua obra contém, em muitos casos, um ponto de vista único, feminino, extremamente avançado para a sua época.

Fonte:Ao Sabor do Momento,Val Rodrigues,Portugal

Sunday, September 03, 2006

Quem dera posar nua, sob o olhar intrigante de um Renoir...

Sei que a crítica dá a medida da sensibilidade do meu pintor favorito, mais afeito às delícias da vida que ao obscuro mundo das brumas metafísicas... Esta alegria de viver acompanhou toda a obra luminosa de Renoir, mesmo quando ele se dedicava aos retratos de encomenda, como prova a série de trabalhos do segmento Família Le Coeur, com obras do início de carreira. Mas a explosão de exuberância e voluptuosidade acontece mesmo no período impressionista, momento em que inicia a pesquisa dos efeitos de luz e do jogo das cores primárias e complementares, pintando ao ar livre. Para melhor perceber as nuanças cromáticas, Renoir evitava ler e assim gastar a vista. São desta fase o já citado Remadores em Chatou. O quadro revela um Renoir no auge da paleta vibrante e luminosa, que já havia dado obras-primas como Baile no Moulin de la Galette (1876), maravilha da arte moderna que não sai nunca do Musée D’Orsay.

Nesta época, as obras de Renoir e seu grupo eram recusadas no tradicional encontro parisiense das artes e recebidas a pedradas pelos críticos acadêmicos. Pierre Wolf, do Le Figaro, por exemplo, assim escreveu sobre um nu do pintor: “Tentem explicar ao senhor Renoir que o torso de uma mulher não é um monte de carnes em decomposição, com manchas verde-violáceas, que denotam um estado de total putrefação.” Justo ele que dizia pintar pessoas como se elas fossem belas frutas. Quem hoje vê suas banhistas de pele de pêssego, um dos seus temas prediletos, que vai acompanhá-lo até o final da vida, sabe o grau de miopia que acometia a crítica da época.

Há várias delas: Banhista sentada enxugando a perna (1914), do Musée National de L’Orangerie; Banhista sentada com paisagem (1895), que foi da coleção particular de Picasso e hoje está no seu museu; e A banhista e o cão Grifon (1870), pertencente ao Masp. “Eu nem sabia andar direito e já adorava as mulheres”, disse ele na biografia Pierre-Auguste Renoir, escrita pelo filho e cineasta Jean Renoir. Amo-te, em cada traço meu...